Um breve ensaio sobre a relação entre direito e moral na jurisdição constitucional brasileira à luz da obra Medida por Medida, de William Shakespeare

AutorNelson Camatta Moreira - Paulo Vitor Lopes Saiter Soares
CargoPós-doutorado em Direito (Universidad de Sevilla) - Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória, FDV
Páginas54-89
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UM BREVE ENSAIO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL
NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA À LUZ DA OBRA
MEDIDA POR MEDIDA, DE WILLIAM SHAKESPEARE1
Nelson Camatta Moreira2
Paulo Vitor Lopes Saiter Soares3
Resumo: O trabalho se propõe a analisar a relação da aplicação da moral
no campo jurídico a partir Positivismo Exegético, passando pelo Movi-
mento da Escola do Direito Livre para chegar na Jurisprudência dos Va-
lores, no sentido de discutir, contemporaneamente, a presença de “valo-
res” e princípios nas Constituições pós-segunda Guerra Mundial, sobre-
tudo no caso brasileiro. O problema da pesquisa refere-se à pergunta so-
bre qual o espaço da moral no Direito, bem como a relação entre valores
e princípios. A pesquisa pretende questionar se o atual Estado Democrá-
tico de Direito suporta algum “Ângelo”, personagem da peça de Shakes-
peare, que ora se arvora como servo da lei, ou seja, dizendo, literalmente
o que a lei enuncia, ora se faz proprietário dos sentidos da lei, lançando
mão de convicções morais subjetivas para dizer o que é o Direito. Mostra-
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do Direito, Teoria do Direito e Hermenêutica, bem como por desenvol-
ver pontos de encontro entre o Direito e a Literatura numa construção de
um raciocínio crítico.
Palavras-chave: direito e moral; Shakespeare; positivismo; princípios.
Abstract: The paper intends to analyze the aplication of Exegetical Posi-
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to the values precedent. At the same time, the intention is to discuss the
1 Artículo recibido: 11 de diciembre de 2015; aprobado: 10 de febrero de 2016. Este texto reper- Artículo recibido: 11 de diciembre de 2015; aprobado: 10 de febrero de 2016. Este texto reper-
cute parcialmente as pesquisas e discussões desenvolvidas no Grupo de Pesquisa CPNQ “Her-
menêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional” da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES).
2 Pós-doutorado em Direito (Universidad de Sevilla). Professor da Programa de Pós-graduação
Stricto Sensu (Doutorado e Mestrado) e da Graduação em Direito da FDV-ES. Correo-e: nel-
soncmoreira@hotmail.com
3 Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória –
FDV. Professor do curso de Direito das Faculdades Integradas Espírito-Santenses – FAESA.
Correo-e: saiterdireitosoares@yahoo.com.br
ISSN 1889-8068 REDHES no.15, año VIII, enero-junio 2016
Revista de Derechos Humanos y Estudios Sociales
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presence of values and principles at the post-second World War, especial-
ly in the case of Brazil. The problem of this research refers to the ques-
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the research want to discover the relationship between values and prin-
ciples. The research intends to question if the actual Democratic State of
law supports an “Angelo”, character at the Shakespeare play, which some-
times is servant of the law - looking to the law literally -, and sometimes is
owner of the law interpretation, releasing hand of subjective moral con-
victions to say what is Right. Finally, the study is relevant, because de-
bate sensitive topics of philosophy of law, theory of law and Hermeneu-
tics, as well as develop similarity between law and Literature in building
of a critical reasoning.
Keywords: Law, morality, Shakespeare, positivism, principles.
1. Introdução
A partir deste texto, objetiva-se discutir como o Positivismo, a partir do século XIX,
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de três propostas teóricas, quais sejam o Positivismo Legalista, a Escola do Direito Li-
vre e a Jurisprudência dos Valores. Tal exposição dialética tem a pretensão de situar o
leitor na tentativa de explicar a síntese que se vive hodiernamente, sobretudo no caso
do direito brasileiro que tem concebido a Constituição como uma ordem de valores.
Tal cenário tem gerado discussões contemporâneas, uma vez que o Estado De-
mocrático de Direito brasileiro determinou um rol extenso sobre direitos e garantias
fundamentais, evocando princípios dos mais variados, em um movimento de tentar
corrigir as falhas geradas pelo legalismo exacerbado visto no século anterior. Inicia-se
com a contextualização da obra de Shakespeare, destacando os personagens principais,
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capítulo seguinte, analisa-se como o Positivismo jurídico4 do século XIX enfrentou a
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que ganhou expressão no século XIX. Augusto Comte, foi um dos primeiros a propor uma
sistematização dos estudos sociais realizados à época, responsável por categorizar essa ciên-
cia que surgia como “Sociologia” diferenciando da Fisiologia Social denominada pelo Conde
Saint-Simon. Foi um profundo divulgador do método positivista, como “método de salvação
da humanidade”. O autor descreve que “o futuro da humanidade estaria na dependência do
futuro das Ciências positivas, ou seja, ciências da natureza”. Quintaneiro, Tania; Barbosa, Maria
Ligia De Oliveira; Oliveira, Márcia Gardênia Monteiro,  
Weber, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010, p. 13. Segundo Norberto Bobbio, “a expressão
‘positivismo jurídico’ deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural”. A
ISSN 1889-8068REDHES no.15, año VIII, enero-junio 2016
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questão da aplicação do Direito e sua separação com a Moral, ou seja, em um primeiro
momento afastou esta das decisões judiciais, uma vez que tal concepção já teria sido
deliberada na arena legislativa. Em contrapartida, o movimento posterior –movimento
da Escola do Direito Livre– abriu espaço para argumentos psicológicos, subjetivos e
discricionários, em que imperou a moral individual para dizer o que era o direito.
Todavia, após o período nazista, os valores éticos e morais5 foram trazidos nova-
mente ao debate, no sentido de se resgatar valores com respeito à dignidade da pessoa
humana, em uma verdadeira era dos princípios. Registra-se que tal paradigma tem data
de nascimento e lugar de fala, quais sejam, pós 2ª Guerra Mundial no contexto da Eu-
ropa Central, pontos que serão abordados no capítulo 4 deste ensaio.
Nesta seara, o debate hodierno se concentra na categorização de princípios
como norma jurídica e, portanto, utilizados na fundamentação das decisões judiciais.
Ocorre que, estes têm sido manejados de forma subjetiva e discricionária, confundin-
 -
xões aqui propostas.
Lança-se mão da literatura, por trazer o lúdico ao estudo jurídico que por vezes
é tão dogmático e preso a metodologias tradicionais. Neste sentido Nelson Moreira e
Juliana de Oliveira6
não fragmentação do homem, pela valorização da emoção, pela abertura ao pensar di-
ferente, a Literatura nos mostra a urgência de reintegrarmos o homem”.
Portanto, Shakespeare pode trazer à luz discussões tão atuais no cotidiano jurí-
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passagem da corrente jusnaturalista para o positivismo jurídico tem origem na concepção ligada
à formação do Estado moderno, assumindo o monopólio da produção jurídica Bobbio, Nor-
berto, , compiladas por Nello Morra; trad. e notas
de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues, São Paulo, Ícone, 2006, pp. 26-27.
5 Sobre a diferença dos termos “ética” e “moral”, Fernando Augusto da Rocha Rodrigues expõe
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caráter e o segundo, costume. Rodrigues destaca que quando os gregos falavam de ciência ética,
eles tinham em vista uma investigação sobre o caráter. É nesse sentido que as obras aristotélicas
Ethica Nicomachea e Ethica Eudemica consistem sobretudo em uma investigação sobre o caráter.
No mais, o termo “ética” estaria “relativo ao caráter” e a moral, “relativo aos costumes”. No
entanto, Rodrigues registra que muitas vezes esses termos são usados intercambiavelmente. E
mesmo nos casos em que se distingue entre ambos, nem sempre essa distinção segue os sentidos
que tinham nas línguas g rega e latina. Rodrigues, Fernando Augusto da Rocha, “Ética do bem
e ética do dever” em ; Cunha, Ricarlos
Almagro Vitoriano (org). Vitória, Seção Judiciária do Espírito Santo, 2014, pp. 82-83.
6 Moreira, Nelson Camatta; Oliveira, Juliana Ferrari De (Orgs),   -
plos Horizontes de Compreensão pela Arte, Ijuí, Editora Unjuí, 2015, p. 18.

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