Teorias dos direitos humanos: entre o relativismo e o universalismo do direito de resistência à opressão

AutorMorton Luiz Faria de Medeiros
CargoMembro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (Brasil) e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Páginas121-139

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TEORIAS DOS DIREITOS HUMANOS: ENTRE O RELATIVISMO E O

UNIVERSALISMO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA À OPRESSÃO1Morton Luiz Faria de Medeiros2Resumo: O artigo busca demarcar o nascimento das doutrinas de direitos humanos na cultura ocidental, para identificar sob cuja inspiraç o foram construídas e enfrentar o tradicional debate entre o universalismo e o relativismo dos direitos humanos. Assim, investiga-se se o direito de resistência à opressão pode ser caracterizado como direito humano e se ele constitui direito universal, a ser perseguido por todos os povos. Para tanto, será feita uma breve abordagem acerca da tipologia do direito à resistência popular e, em seguida, serão investigadas as razões de os Estados Unidos da América e outras nações ocidentais terem oferecido oposição à inserção de tal direito no corpo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Destarte, serão avaliados seu caráter universal e sua compatibilidade com o Estado constitucional democrático, e de que modo poderia ser tal direito exercido sem infirmar o modelo democrático de organização estatal, rematando essa investigação teórica em torno dos direitos humanos e do universalismo que, historicamente, lhes é atribuído, para orientar a condução da discussão em direção a um verdadeiro cosmopolitismo, que rejeite a destruição de culturas diversas em favor de uma cultura universal, e estimule o diálogo transversal entre as mais distintas ordens jurídicas e políticas.

Palavras-chave: Direitos humanos, cosmopolitismo, resistência à opressão.

Abstract: The article tries to trace the birth of the doctrines of human rights in Western culture, in their eagerness to identify under whose inspiration they were built, to face the traditional debate between proponents of universalism and relativism of human rights. On these pillars, we focus on whether the right of resistance to oppression can be characterized as a human right and, if so, whether it can be considered a universal right.

1 Artículo recibido: 14 de diciembre de 2014; aprobado: 14 de marzo de 2015.
2 Membro do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (Brasil) e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Correo-e: mortonmedeiros@hotmail.com

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Therefore, a brief overview about the typology of the right of resistance will be taken and then the reasons that the United States and other Western nations have offered in favor or against the inclusion of this right in the corpus of the Universal declaration of Human rights will be investigated. With this, the universal character of this law and its compatibility with the democratic constitutional state will be assessed, and also how such right could be used, without undermining the democratic model of state organization.

Keywords: Human rights, cosmopolitism, resistance to oppression.

1. Introdução

Desde que os direitos humanos começaram a inspirar estudos por parte de filósofos, cientistas políticos, antropólogos –e até juristas– eles têm sido cobertos de uma densa névoa, muitas vezes dificultando a precis o de sua origem, seus contornos, sua extensão e, principalmente, atravancando sua implantação.

Por essa razão, o presente artigo principia pela análise dos primórdios de uma(s) verdadeira(s) teoria(s) dos direitos humanos, no af de identificar sob cuja inspiraç o foi(ram) construída(s), de modo a evitar incorrer no equívoco de reproduzir lugares comuns, perniciosos à exata compreensão do problema enfrentado nesses prados acadêmicos.

Em seguida, buscar-se-á enfrentar o tradicional debate entre os defensores do universalismo e do relativismo dos direitos humanos, para se colherem argumentos seja para a sustentação de um sistema valorativo que valha em todo o mundo, independentemente da cultura em que se aplique, seja para empunhar a bandeira de que o background cultural de um povo não deve ser ameaçado em nome de uma uniformização normativa que contemple a dignidade da pessoa humana – termo que, por si só, já comporta inúmeras divagações.

Sobre esses pilares fundamentais, portanto, desenvolver-se-á o escopo central deste artigo: investigar se o direito de resistência à opressão pode ser caracterizado como direito humano e, se for o caso, se ele merece a pecha de direito universal, a ser perseguido por todos os povos. Para tanto, será feita uma breve abordagem acerca da tipologia do direito à resistência popular, com vistas a uma depuração linguística –mas igualmente metodológica– e, em seguida, serão investigadas as razões de os Estados Unidos da América e outras nações ocidentais terem oferecido tanta oposição à inserção do direito de resistência à opressão no corpo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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Teorias dos direitos humanos: entre o relativismo e o universalismo do direito de resistência à opressão 123 Com isso, será avaliado o caráter universal desse direito, para, em seguida, perquirir-se de sua compatibilidade com o Estado constitucional democrático, ou, em outras palavras, se tal Estado seria capaz de suportar a resistência popular ao próprio governo instituído em seu bojo. Por derradeiro, perscrutar-se-á de que modo poderia ser tal direito exercido, de modo a n o infirmar o modelo democrático de organizaç o estatal, rematando essa investigação teórica em torno dos direitos humanos e do universalismo que, historicamente, lhes é atribuído.

2. As doutrinas ocidentais dos direitos humanos

O surgimento de uma verdadeira teoria dos direitos humanos n o é identificado historicamente de forma uníssona pelos pesquisadores. certo, porém, que nas sociedades primitivas não há sentido em se falar em doutrina de direitos humanos, já que, até então, os membros da comunidade gozavam de ancestralidade, religião e crenças comuns, tornando despicienda a construção jurídica para corroborar o que não era objeto de discussão –a humanidade partilhada.

Contudo, à medida que o mundo foi parecendo cada vez menor, diante do estreitamento das barreiras físicas e virtuais entre os homens, nasceu a necessidade de maior proteção e tolerância do diferente, sob a alegação de que essa diferença não seria essencial –a essência é gozar do atributo de ser humano. Nesse sentido é que Aristóteles3

engendra uma antropologia universalista, segundo a qual afirmava a “[...] existência de uma natureza humana comum”– argumento manejado, por exemplo, para combater a escravid o decorrente de guerra, conquista ou dinheiro, porém justificando aquela que satisfizesse os interesses comuns de senhor e escravo.

Note-se, porém, que não se trata, ainda, de uma teoria jurídica, e sim de antropologia, mesmo porque o Direito não constituía a principal preocupação dos pensadores da Antiguidade Clássica. Com efeito, mesmo o universalismo das “leis não escritas, sempre vivas”4, invocadas por Antígona para se justificar perante Creonte, qualificava, a rigor, uma imposição moral –e não jurídica– apontando, assim, para uma moral inter-nacional, antes que para o Direito internacional5. Isso porque nem a própria ideia de direito subjetivo, crucial para a compreensão de uma teoria jurídica, é construção da Antiguidade, já que mesmo o dominium romano, apontado pela Escolástica como a fonte dos direitos humanos, não constituía direito individual6.

3 Apud Villey, Michel, O direito e os direitos humanos, Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, São Paulo, WMF Martins Fontes, 2007, p. 85.
4 Sófocles, Antígona, Trad. Donaldo Schüler, Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 36.
5 Villey, Michel, op. cit., p. 87.
6 Ibídem., p. 146.

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Michel Villey, aliás, pelas razões acima mencionadas, se contrapõe não apenas à ideia de que o Catolicismo tenha sido “[...] o berço dos direitos humanos”7, como denuncia que tais direitos, na verdade, são historicamente obra de não-juristas8! Assim é que uma verdadeira doutrina dos direitos humanos só nasce, no Ocidente, com o individualismo burguês engendrado a partir do Renascimento9, e, de forma geral, deriva da filosofia moderna edificada a partir do século XVII10. apresentada, precisamente, como remédio para as divisões, separações entre os seres humanos, intensificadas com a eclosão das revoluções liberais a partir de então –embora a noção de direito subjetivo só apareça por obra dos pandectistas alemães do século XIX11, o que permite inferir que sequer se tratavam os proclamados “direitos humanos”, antes disso, de verdadeiros direitos subjetivos oponíveis ao Estado.

Na cultura ocidental, destacam-se, basicamente, duas teorias dos direitos humanos: a liberal e a socialista. A primeira afirma que os direitos humanos econ micos, sociais e culturais estão hierarquicamente em posição inferior aos direitos humanos civis e políticos. Em outras palavras, privilegia exclusivamente os chamados “direitos de primeira geração”, marcadamente individuais, “[...] com a única exceção do direito coletivo à autodeterminação, o qual, no entanto, foi restringido aos povos subjugados pelo colonialismo europeu”, além de reconhecer o “[...] direito de propriedade como o primeiro e, durante muitos anos, o único direito econômico”.12Contra a teoria da salvaguarda dos direitos econômicos, sociais e políticos, surge a crítica gerada no seio das nações desenvolvidas13de que essa teoria vem sendo utilizada abusivamente por todos os regimes ditatoriais para denegar os direitos civis e políticos em seus respectivos territórios. Em seu favor, por outro lado, Boaventura Santos14

pugna pela indivisibilidade dos direitos humanos pela mesma razão: a maior abrangência com que são enfocados os direitos humanos pelas teorias marxistas permite enxer-7 Ibídem., p. 136.
8 Ibídem., p. 144.
9 Perelman, Chaïm, Ética e direito, Trad. Maria Ermantina de...

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