O regime jurídico do instituto do tombamento

AutorFábio Brito Ferreira - Renato José Ramalho Alves
CargoProfessor da graduação em Direito no Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP-PB) - Membro do Conselho Deliberativo da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET)
Páginas181-195

Page 181

O REGIME JURÍDICO DO INSTITUTO DO TOMBAMENTO1Fábio Brito Ferreira2 Renato José Ramalho Alves3Resumo: Foi somente a partir do século XX que, na maior parte do mundo, se desenvolveu efetivamente o processo proteção aos valores culturais da humanidade. No âmbito internacional, foram firmados diversos tratados e convenções internacionais reconhecendo a importância do patrimônio cultural, e impondo aos Estados a responsabilidade de defendêlos. No Brasil, a Constituição de 1988 foi um marco para a promoção da cultura de nosso povo, determinando que o Poder Público nacional deve utilizar de instrumentos administrativos para sua proteção. Dentre eles, destaca-se o instituto do tombamento, espécie de intervenção na propriedade, pelo Estado, que impõe certas obrigações ao proprietário, sem retirar-lhe o domínio sobre o bem. Tal instituto vem sendo cada vez mais utilizado em nosso país, eis que se mostra como um eficiente mecanismo para a preservação de bens (principalmente imóveis) que carregam importante valor cultural. Assim, o presente trabalho trata do regime jurídico do tombamento, destacando suas características e efeitos.

Palavras chave: Direito ambiental, patrimônio cultural, intervenção do estado na propriedade, tombamento.

Abstract: It was only until the XX century that most parts of the world effectively developed a protection process for the cultural values of humanity. International conventions were signed recognizing the importance of cultural heritage, and imposing upon states the responsability of defending them. In Brazil, the 1988 constitution provided framework for the promotion of the culture of our people, stating that the national

1 Artículo recibido: 14 de enero de 2015; aprobado: 16 de abril de 2015.
2 Professor da graduação em Direito no Instituto de Educação Superior da Paraíba (IESP-PB). Correo-e: renatojra@gmail.com
3 Membro do Conselho Deliberativo da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET). Correo-e: renatojra@gmail.com

Page 182

182

Revista de Derechos Humanos y Estudios Sociales

Public Power must use its administrative instruments for its protection. Among these, the ‘Tombamento’ institute, a kind of proeperty regulation by the state, that imposes certain obligations on the owner without removing her dominion of the asset. Said institute is being more frequently used in our country, and has been shown as na efficient mechanism for the preservation of assents (mainly buildings) that carry some cultural value. This work deals with the judicial regime of ‘tombamento’, focusing on its characteristics and effects.

Key words: Enviromental law; cultural heritage; state intervention on proeprty; tombamento.

1. Notas introdutórias: Valores culturais na ótica internacional e nacional

Atualmente, existem diversos institutos previstos pela legislação brasileira que possuem estrita relação com a proteção de valores culturais de nosso povo. Dentre eles, destacase o tombamento, cujo regime jurídico será analisado no presente trabalho. Entretanto, a defesa de valores ligados à história e à identidade de uma comunidade é decorrente de um longo e inacabado processo histórico.

Segundo Reale, “a cultura não é senão a concretização ou atualização da liber-dade, do poder que o homem tem de reagir aos estímulos naturais de maneira diversa do que ocorre com os outros animais”4. possível complementar as palavras de Reale com o pensamento de Recasens Siches, para quem é por meio da cultura que ocorre a efetivação de valores até então tidos como ideais; esses valores, contudo, não são constantes. Assim, todo bem cultural tem um significado circunstancial, ou seja, adveio de uma situação histórica para atender as necessidades humanas daquele determinado momento5.

A comunidade internacional, nos dias atuais, mobiliza se a fim de garantir que o patrimônio cultural seja considerado como um direito pertencente a toda a humani-dade.

Nesse sentido, o contexto onde se insere a garantia pelo Estado de valores vinculados à cultura é traçado, principalmente, em virtude do fenômeno de internacionalização dos direitos humanos, desenvolvido a partir meados do século XX6, e que não deixou de fora as questões culturais.

4 Reale, Miguel, Filosofia do Direito, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 244.
5 Recasens Sichés, Luis, Tratado General de Filosofia del Derecho, México, Porrúa, 1975, p. 103.
6 Piovesan, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, São Paulo, Max Limonad, 2004, p. 131.

ISSN 1889-8068 REDHES no.13, año VII, enero-junio 2015

Page 183

O regime jurídico do instituto do tombamento 183

Os direitos culturais são aqueles relacionados à participação do indivíduo na vida cultural de determinada comunidade, bem como à manutenção do patrimônio histórico e natural, que concretizam a identidade e memória de determinado povo7.

Em âmbito internacional, após a Segunda Guerra Mundial, diversos foram os instrumentos internacionais destinado à proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade. Já na Carta das Nações Unidas de 1945, houve a previsão de que a ONU buscaria favorecer a “cooperação internacional, de caráter cultural”8. Nesse mesmo ano, foi criada a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
– UNESCO, o mais importante ator internacional de proteção à cultura desde então. Borges9destaca que, com o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais, houve o reconhecimento internacional de que cada indivíduo tem o direito de participar da vida cultural. O Pacto, inclusive, prevê a obrigação do Estado de instituir políticas para a conservação, desenvolvimento e difusão da cultura (artigo 15)ln="48" id="footnote_reference_10" class="footnote_reference" data-footnote-number="10">10.

Em 1972, foi adotada, no âmbito da ONU, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural11, que representa um grande avanço para o reconhecimento de obrigações internas e internacionais para a proteção de questões de relevância cultural. A Convenç o trouxe a definiç o de patrim nio cultural da seguinte forma:

I. DEFINIÇÃO DE PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL
ARTIGO 1
Para os fins da presente Convenç o, s o considerados “patrim nio cultural”:
os monumentos: obras arquitetônicas, esculturas ou pinturas monumentais, objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência,

7 Ramos, André de Carvalho, Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 92.
8 Cf. ONU – Organização das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas de 1945. Disponível em . Acesso em:
20.nov.2014.
9 Ibídem., p. 92.
10 ONU – Organização das Nações Unidas,

ONU – Organização das Nações Unidas, Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Disponível em . Acesso em: 21.nov.2014.
11 ONU – Organização das Nações Unidas,
ONU – Organização das Nações Unidas, Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. Disponível em . Acesso em: 21.nov.2014.

ISSN 1889-8068

REDHES no.13, año VII, enero-junio 2015

Page 184

184

Revista de Derechos Humanos y Estudios Sociales

- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas, que, por sua arquitetura, unidade ou integração à paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência,
os sítios: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como áreas, que incluem os sítios arqueológicos, de valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

A Convenção de 1972 ainda criou o Comitê do Patrimônio Mundial, responsável pela elaboração e divulgação da “Lista de Patrimônio Mundial”12, que são bens de ordem cultural ou natural considerados de valor universal excepcional (artigo 11). Desde então, vários foram os mecanismos constituídos no âmbito das Nações Unidas destinadas à proteção da propriedade cultural da sociedade humana.

Nas palavras de Silva, “a inscrição na Lista do Patrimônio Mundial tem o condão jurídico de tornar o bem integrante do patrimônio cultural e natural da humanidade que passa a receber uma proteção nacional e internacional”13.

Além do Sistema Global, os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos também têm assumido um relevante papel na proteção da cultura dos povos. Exemplo disso ocorre no continente americano, por meio da Organização dos Estados Americanos, que instituiu o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, defendendo, com base na Convenção Interamericana de Direitos Humanos14, e em outros instrumentos interamericanos, a cultura como um valor inerente a qualquer comunidade, e cuja proteção é de responsabilidade dos Estados.

No Brasil, o reconhecimento de que a promoção da cultura é um dever do Estado é um fenômeno recente em nossa história. Até 1808, por exemplo, quando o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, era vedada qualquer produção ou edição de livros por brasileiros. A história só poderia ser contada por estrangeiros, o que demonstra a maneira limitativa com que a monarquia portuguesa conduzia a vida cultural brasileira.

Com efeito, em nosso país, a proteção de bens de interesse cultural foi desenvolvida, principalmente, com o declínio dos governos militares. No ano de 1985, foi criado um mio Ministério da Cultura15, órg o específico com a competência de estabelecer políticas sobre patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural, entre outros assuntos referentes ao meio cultural.
12 possível, grosso modo, relacionar essa Lista com o instituto brasileiro do tombamento,

possível, grosso modo, relacionar essa Lista com o instituto brasileiro do tombamento, objeto do presente trabalho, eis que ambos visam o reconhecimento e a proteção de bens ou locais de grande importância histórica e cultural.
13 Silva...

Para continuar leyendo

Solicita tu prueba

VLEX utiliza cookies de inicio de sesión para aportarte una mejor experiencia de navegación. Si haces click en 'Aceptar' o continúas navegando por esta web consideramos que aceptas nuestra política de cookies. ACEPTAR