Possibilidades de efetividade dos direitos fundamentais a partir de uma racionalidade democrática de garantia

AutorCristiano Müller
CargoAbogado del Centro de Derechos Económicos y Sociales (CDES-Direitos Humanos), Brasil
Páginas75-99

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POSSIBILIDADES DE EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A PARTIR DE UMA RACIONALIDADE DEMOCRÁTICA DE GARANTIA1Cristiano Müller2Resumo: A efetividade dos direitos fundamentais passa por uma grave crise nos dias atuais. Hoje, resulta cada vez mais difícil a sua concretude. O regime democrático, do modo como se apresenta, não dá condições efetivas de garantia desses direitos. preciso pensar em alternativas para se buscar numa radicalização democrática desde as premissas informadas por um Estado Sócio-ambiental que clama por efetividade dos direitos fundamentais sociais e ambientais, isto é, um Estado forte que garanta processos de participação desde a sociedade civil reconhecendo pluralismos jurídicos que garantam a concretização dos direitos, indicando para uma racionalidade democrática de garantia.

Palavras chave: Direito fundamentais, regime democrático, ambientalismo, pluralismo jurídico, sociedade civil.

Abstract: The effectiveness of fundamental rights is going through a severe crisis today. It is ever harder to render them concrete. The democratic regime, as it exists, does not provide the conditions required for the effective guarantee of these rights. It is necessary to think about alternatives, to look for a radicalization of democracy informed by the premises of a socio-ecological State that claims for the effectiveness of fundamental social and environmental rights, that is, a strong state that guarantees participation processes from the civic society recognizing juridical pluralisms that guarantee the concrete realization of these rights, by democratic rationality.

Keywords: Fundamental rights, democratic regime, enviromentalism, juridical pluralism, cocil society.

1 Artículo recibido: 23 de enero de 2015; aprobado: 16 de marzo de 2015.
2 Abogado del Centro de Derechos Económicos y Sociales (CDES-Direitos Humanos), Brasil. Correo-e: rs40494@yahoo.com.br

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1. A Democracia na atualidade

Desde a antiguidade clássica tem sido forjado o conceito de democracia. Na “polis” ateniense a democracia é concebida como o conceito do governo para o povo e pelo povo, onde a participação dos eleitos (homens, ricos e livres) será a base para a participaç o das pessoas na “ágora”. A origem grega da democracia (demos = todos os cidad os; kratos = poder e autoridade) está na participaç o dos atenienses no debate e as discussões que levassem a um sentido comum, a um interesse coletivo apesar da exclusão da participação de três grandes grupos: as mulheres, os estrangeiros e os escravos.

Sem dúvida, as lições que a democracia grega passa através do tempo são importantes na hora de buscarmos compreender a realidade de hoje. Realmente, o termo democracia é utilizado atualmente de muitas maneiras, inclusive como justificativa para se fazer a guerra, mediante a intervenção militar de um país sobre o outro. No entanto, a mesma democracia perde força quando se fala em distribuir o poder e a riqueza entre todos e todas. Efetivamente, o termo democracia passa por uma grave crise. Tanto os políticos quanto os estudiosos do tema não encontraram uma maneira de colocarem-se de acordo sobre o conceito de democracia. O referido conceito grego –poder e autori-dade para todos– que tem um caráter meramente etimológico n o é suficiente para se aproximar do conceito de democracia, tendo em vista sua importância histórica.

Existe uma maneira concreta de ver a democracia como um conceito aberto, ou seja, um conceito ideal ou idealista. Isto se vê diariamente no modo pelo qual a mídia e os políticos profissionais se utilizam da palavra democracia para significar qualquer coisa. Quando os teóricos analisam essa prática a nominam de inúmeras maneiras, de democracia direta (fundada em Rousseau), democracia participativa, democracia de controle, democracia cidadã, democracia liberal, democracia representativa, democracia formal e muitas outras mais.

Em seu magnífico texto Agonias do Capitalismo3, Wallerstein trata exatamente deste tema, conduzindo suas teses às condições políticas e filosóficas que fizeram possível que no século XIX os conservadores e liberais pusessem em marcha a democracia como regra de convivência política entre as pessoas, mais concretamente o direito ao voto masculino, eleições livres e alternância no poder.

A importância da análise de Wallerstein está em que desmitifica a palavra demo-cracia e sua utilização ao longo da história ocidental, pelas pessoas e grupos que deti-3 Wallerstein, Emanuel, Agonias del Capitalismo, en http://www.inisoc.org/waller.htm, 1994. “Algunos derechos de voto por aquí, un poco de beneficios de estado de bienestar por allí, más otro tanto de unidad de las clases bajo una unidad nacionalista común: a finales del siglo XIX, todo esto daba por resultado una fórmula que apaciguaba a las clases trabajadoras a la vez que mantenía los elementos esenciales del sistema capitalista”.

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Possibilidades de efetividade dos direitos fundamentais a partir de uma racionalidade democrática de garantia 77 nham o poder. Basicamente, Wallerstein assinala como e qual era o contexto de surgimento do conceito moderno da palavra democracia como sistema de governo seja no regime presidencialista, seja no regime parlamentarista chegando até os dias de hoje com o processo de globalização. Assim, o conceito de democracia surgiu segundo Wallerstein, no seio do pensamento liberal da metade do século XIX por meio do reformismo racional. Isto é, conceder aos que se diziam revolucionários, naquele momento os socialistas, o direito a organização política e o direito ao acesso ao poder por meio do voto. Numa realidade de constantes lutas e de violentas sublevações, uma concessão como esta das classes conservadoras tranquilizava as classes no poder e contentavam aos socialistas que, com o tempo, viam que este tipo de luta revolucionária perdia cada vez mais força.

Entretanto, será o liberalismo quem dirá como se passará por este novo momento político chamado reformismo racional. Para os liberais, as mudanças políticas serão implementadas por aquelas pessoas que s o as mais sábias, mais qualificadas e as mais educadas. Dessa maneira os liberais conseguiam retirar do povo o seu anseio de chegar ao poder, construindo a figura mítica do novo soberano conectado com o status intelectual e de condições quase sobrenaturais de representar a sociedade. Ademais deste pensamento fundar o moderno conceito de democracia, com o qual se vive até hoje, o pensamento liberal será a chave para levar este reformismo racional para todo o mundo, já que concretizado no acordo de “Brettonwoods”, de 1945, na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Nesse momento não somente a Europa ou a América do Norte estão sobre a égide do pensamento liberal, senão todo o mundo.

Nesta linha de argumentação, se chega aos efeitos que a globalização determina na democracia, inclusive a democracia de caráter liberal e concentrada na mão de um grupo de pessoas que governam sem controle social efetivo (os notáveis). Por isso é muito importante o pensamento de Eduardo Saxe Fernández4quando fala sobre o “globalismo democrático“. Eduardo Saxe Fernández e Christian Brügger Bourgeois fazem uma interessante digressão sobre o tema da democracia e se aproximam aos passos iniciais para sua contextualização no cenário mundial.

Eduardo Saxe apresenta outra dimensão do conceito de democracia agora contaminada pelo globalismo capitalista. A democracia, segundo Saxe é o ponto central de qualquer integração mundial entre os países seja em suas relações internas, seja em suas relações externas. O neoliberalismo se utiliza dos pressupostos que constituem a democracia como defesa das liberdades civis e políticas para impor uma mais dura versão

4 Saxe Fernández, Eduardo, La nueva oligarquía latinoamericana: ideología y democracia, EUNA, San José, 1999.

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do capitalismo, agora sem fronteiras, com total desregulamentação frente ao Estado, o qual não se vê com nenhum poder de intervenção.

Em seu livro, Saxe conceitua o globalismo democrático como sendo:

La exportación de la democracia a escala planetaria, la imposición de la democracia globalmente, por parte de una coalición hegemonizante, al frente de la cual se encuentra Estados Unidos. ... El nuevo tipo de democracia que se instala es oligárquico. Se excluyen amplios sectores sociales de la participación política organizada para dar márgenes de maniobra al bloque hegemónico y a las elites políticas, que emprenden procesos económicos devastadores para esos sectores sociales excluidos, tanto como para la nación misma.5Num sistema democrático baseado na total submissão de uma comunidade nacional ás regras do globalismo democrático, a partir do mito da representatividade política como única maneira de participação política, quem coordena as políticas públicas do estado em direç o à sociedade civil é o mercado, representado pelo sistema financeiro internacional, as transnacionais e algumas empresas nacionais.

Utiliza-se, pois, o mito do voto e da participação a cada quatro anos para sustentar um projeto de ficç o em que supostamente haverá representaç o política dos interesses da população. David Held6questiona a perda de autonomia do estado-nação frente ao sistema global de regulação jurídica e comercial, fazendo com que o estado seja cooptado por um sistema operacional internacional que limita sua autonomia. Este sistema legal internacional tem suas próprias regras e campos de ação, uns organizados outros não.

Em termos gerais Held diz que a interconexão global cria cadeias de decisões políticas e resultados interconectados entre os estados e seus cidadãos que alternam a natureza e a...

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