Considerações sobre a hierarquia dos tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil

AutorAntonio Borges de Figueiredo
CargoDoutorando em Direito Constitucional (Educação Instituição Toledo - Bauru / SP)
Páginas405-418

Doutorando em Direito Constitucional (Educação Instituição Toledo - Bauru / SP). Mestre em Direito das Obrigações (UNESP - Franca / SP). Professor do Centro Universitário Moura Lacerda (Ribeirão Preto / SP). Advogado. Parenting co-autor do livro (São Paulo: LTr, 2007). ANTONIO BORGES DE FIGUEIREDO [figueiredoadvocacia@superig.com.br]

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1. Introdução

Até o presente momento ainda não ocorreu aprovação de tratado ou convenção internacional com os requisitos exigidos pela Emenda Constitucional n. Page 406 45, de 08 de dezembro de 2004, motivo pelo qual ainda não ocorreram certas dificuldades práticas que o presente trabalho procura esboçar.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de restringir a prisão civil ao inadimplemento de pensão alimentícia, proferida em 03 de dezembro de 2008, não é suficiente para eliminar as controvérsias sobre a hierarquia de tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil, antes ou na vigência, das alterações decorrentes da Emenda constitucional n. 45.

Mesmo quando ocorrer a aprovação interna de um tratado internacional em estrita observância do processo legislativo próprio hábil para a aprovação de emenda constitucional, provavelmente, persistirão dúvidas sobre sua vigência e sobre a possibilidade ou impossibilidade de sua alteração.

O principal objetivo ou pretensão do presente trabalho é suscitar o debate sobre alguns aspectos que merecem maior aprofundamento teórico, mas que também é de inegável relevância prática.

2. Dualismo e monismo

Trata-se da incorporação dos tratados internacionais ao direito interno de cada Estado e da relação entre o direito internacional e o direito interno, cuja discussão teve início a partir da publicação, em 1899, da célebre obra de Karl Heinrich Triepel sobre a relação entre o direito internacional e o direito interno. Sobre o assunto há duas posições básicas, uma em defesa do dualismo e outra do monismo.

Na lição de Triepel, em defesa do dualismo, os dois ordenamentos têm fontes distintas e regulam relações diversas. Partindo da premissa de que as normas internacionais têm objeto diverso das normas internas e decorrem de fontes diversas, para os dualistas não há conflito nem hierarquia das normas internas com relação as internacionais.

Hans Kelsen, em sua teoria pura do direito, em princípio, segue o monismo, ao sustentar que há uma unidade entre o direito internacional e o direito estadual: "Dois complexos de normas do tipo dinâmico, como o ordenamento jurídico internacional e um ordenamento jurídico estadual, podem formar um sistema unitário tal que um desses ordenamentos se apresente como subordinado ao outro, porque um contém uma norma que determina a produção de normas do outro e, por conseguinte, este encontra aquele o seu fundamento de validade." (1985: 347).

Sobre a aplicabilidade interna do tratado internacional, mais importante do que o debate entre os defensores do dualismo e os defensores do monismo, é a necessidade de verificar sobre a posição hierárquica interna dos tratados internacionais e a possibilidade de três alternativas: supremacia do direito interno, supremacia do direito internacional ou supremacia constitucional, como anota Luis Renato Vedovato (2008: 106).

Abstraindo-se de qualquer aprofundamento sobre as referidas vertentes possiveis, o conteúdo do tratado internacional pode gerar obrigações entre os Estados que dele participa ou pode ser incorporado como normas aplicáveis às relações jurídicas internas, como é sabido. Page 407

3. Ingresso e posição hierárquica dos tratados internacionais

Em rápida síntese, o tratado é firmado pelo Presidente da República (art. 84, VIII, da Constituição), na sequência é submetido à apreciação do Congresso Nacional (art. 49, I, da Constituição; pode ser aprovado mediante quorum simples, por ausência de regra especial (art. 47 da Constituição); se for aprovado será ratificado mediante decreto legislativo e promulgado por decreto presidencial.

O tratado ou a convenção internacional ingressa no ordenamento jurídico brasileiro com o status de lei ordinária, pois aprovado por decreto legislativo e votado por maioria simples, conforme anotam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2007: 216).

Ao ingressar no ordenamento jurídico brasileiro com o mesmo nível de lei ordinária, o tratado internacional tem a aptidão de revogar ou de ser revogado internamente por lei infraconstitucional. No entanto, em decorrência dos princípios da boa fé e de que os pactos devem ser cumpridos, o Estado pode sofrer sanções internacionais na hipótese de desrespeitar os tratados internacionais dos quais for signatário.

No âmbito interno, em princípio, o tratado tem vigência e pode ser revogado do mesmo modo que qualquer lei, independentemente, dos procedimentos e deveres que regem as relações internacionais entre os Estados soberanos.

4. Tratados sobre direitos humanos

No campo jurídico, "princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas" (Reale, 1979: 300).

Os princípios jurídicos constituem expressão primeira dos valores fundamentais expressos pelo ordenamento jurídico, informando materialmente as regras e fornecendo-lhes inspiração para o recheio, conforme a correta lição de Walter Claudius Rothenburg (2003: 16).

Entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, cumpre acentuar o princípio da "dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III, da Constituição); o objetivo de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, IV, da Constituição); e, até mesmo nas relações internacionais, a "prevalência dos direitos humanos" (art. 4º, II, da Constituição).

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes..." (art. 5º, caput, da Constituição). E, na sequência, são enumerados direitos e deveres individuais e coletivos, ao longo de setenta e oito incisos. Page 408

Constituem cláusulas pétreas expressas, ou seja, não será objeto de deliberação qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, incisos I a IV, da constituição).

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, segundo norma constitucional expressa (art. 5º, § 1º, da Constituição), no sentido de que devem produzir efeitos independentemente de qualquer regulamentação, mas o assunto é mais complexo.

Em síntese, com base na vigente Constituição brasileira e afirmando expressamente que não esgota o tema, José Afonso da Silva classifica os direitos fundamentais nos seguintes grupos básicos (2008: 184): direitos individuais (art. 5º); direitos à nacionalidade (art. 12); direitos políticos (arts. 14 a 17); direitos sociais (arts. 6º e 193 e seguintes); direitos coletivos (art. 5º); direitos solidários (art. 3º e 225).

Dentro de uma apreensão integral do fenômeno constitucional, em sentido material (axiológico), está superada a visão do sistema fechado em prol de uma concepção aberta, que admite a integração de outros elementos além dos formais (sobretudo os materiais), com interação entre os elementos (Rothenburg, 2003: 58).

A Constituição de 1988, seguindo o espírito da Emenda IX da Constituição norte-americana, consagrou a idéia da abertura material do catálogo constitucional dos direitos e garantias fundamentais. Além dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo texto constitucional existem direitos fundamentais em outras partes do texto constitucional, bem como os positivados nos tratados internacionais sobre direitos humanos e os direitos fundamentais implícitos. Neste sentido é a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2007: 101).

Há previsão expressa sobre a abertura do sistema em razão dos princípios implícitos e dos instrumentos internacionais sobre direitos humanos: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, § 2º, da Constituição).

Resta saber se o reconhecimento constitucional dos tratados internacionais, como fontes de direitos e garantias, ou mesmo a prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, II, da Constituição), são suficientes para que os tratados sejam considerados como normas constitucionais e como cláusulas pétreas.

5. Exemplos estrangeiros sobre hierarquia
5.1. Argentina

Alberto Ricardo Dalla Via (2003: 42) relata que a partir da reforma constitucional de 1994, o catálogo dos direitos fundamentais foi ampliado, mediante a Page 409 incorporação ao art. 75, inciso 22, da constituição da Argentina, dos...

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