O espaço público como lócus legitimador fundamental para a participação democrática a partir da autonomização feminina

AutorDenise Regina Quaresma da Silva - Mariane Camargo D'Oliveira
CargoProfessora titular na Universidade FEEVALE - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social, com concentração na área de Políticas Públicas e Inclusão Social, da Universidade FEEVALE (Novo Hamburgo/RS)
Páginas145-164

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O ESPAÇO PÚBLICO COMO LÓCUS LEGITIMADOR FUNDAMENTAL

PARA A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA A PARTIR

DA AUTONOMIZAÇÃO FEMININA1Denise Regina Quaresma da Silva2Mariane Camargo D’Oliveira3Resumo: Não raras se constituíram as vezes em que as mulheres foram excluídas do espaço público, à medida que a ampla noção conceitual deste aplica-se às mais diversas dimensões da vida social, como a política, a cultural, a econômica, a científica e assim sucessivamente. O feminino era, então, restrito à esfera doméstica e privada, lugar em que características como a passividade, a docilidade, a alienação e a submissão eram ressaltadas. Tendo como suporte teórico estas breves considerações, metodologicamente, pretende-se examinar como a família patriarcal ainda se baseia em fundamentos biológicos, culturais e sociais para que a mulher continue, substancialmente, atrelada à esfera privada, a partir de estudos de autores como Arendt (2004), Bourdieu (2007), Lipovetsky (2000), Perrot (2005), Okin (2008), Vieira (2001), dentre outros, traduzindo-se na não apropriação do espaço público pelo feminino. Entende-se que, embora existam avanços significativos nesta que é uma temática fundamental, as mulheres não conquistaram, definitivamente, o ambiente público. Haja vista que, em uma conjuntura na qual ainda está vigente o patriarcado, é de se questionar se as lutas engendradas pelas mulheres constituíram um efetivo processo de participação feminina no espaço público.

Palavras-Chave: Emancipação, igualdade, patriarcado, público-privado.

Abstract: There are rare were the times when women were excluded from public space, as the broad conceptual sense this applies to many dimen-1 Artículo recibido: 23 de septiembre de 2014; aprobado: 10 de enero de 2015.
2 Professora titular na Universidade FEEVALE y professora adjunta no Centro Universitário La Salle. Correo-e: denisequaresma@feevale.br
3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social, com concentração na área de Políticas Públicas e Inclusão Social, da Universidade FEEVALE (Novo Hamburgo/RS). Correo-e: maricamargod@gmail.com

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sions of social life, such as political, cultural, economic, scientific and so on. The female was then restricted to domestic and private sphere, place characteristics such as passivity, docility, alienation and submission were highlighted. As theoretical support these brief considerations, methodologically, we intend to examine how the patriarchal family is still based on biological, cultural and social foundations for women to continue to substantially linked to the private sphere, from studies of authors such as Arendt (2004), Bourdieu (2007), Lipovetsky (2000), Perrot (2005), Okin (2008), Vieira (2001), among others, resulting in non-appropriation of public space by the female. It is understood that, although there are significant advances in what is a key theme, women did not win, definitely, the public environment. Considering that, in a situation in which patriarchy is still in force, is the question whether the struggles engendered by women constituted an effective process of female participation in the public space.

Keywords: Emancipation, equality, patriarchate, public-private.

A desumanidade e a indignidade humana não perdem tempo a escolher entre as lutas para destruir a aspiração humana de humanidade e de dignidade. O mesmo deve acontecer com todos os que lutam para que tal não aconteça.

Boaventura de Sousa Santos41. Introdução

A inserção feminina no espaço público é temática que constantemente vem sendo objeto de discussão em decorrência de seu impacto na construção de um ambiente demo-craticamente equitativo. Em que pese ainda existam dificuldades para que as mulheres adentrem, de forma efetiva, neste campo onde há a predominância masculina, inúmeras são as ações que estão sendo constituídas para uma busca da plena igualdade.

Este contexto merece especial atenção, visto que as mulheres, não raras vezes, foram consideradas –e por muitos ainda o são– seres inferiores e, por isso mesmo, acabaram sendo subjugadas por seus pares. Verifica-se, pois, que ainda subjaz na sociedade a subserviência, a hierarquização das relações e o patriarcalismo, mormente porque muitas situações pragmáticas se traduzem na arraigada submissão.

4 Santos, Boaventura de Sousa, “Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento”, en Santos, Boanvetura de Sousa e Chauí, Marilena, Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento, São Paulo, Cortez, 2013, p. 125.

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Sob esta perspectiva, é mister elucidar, já de antemão, que o revigoramento da disparidade advém de inúmeros conceitos e preconceitos que foram sendo introjetados ao longo dos tempos, para que as mulheres permanecessem na condição de subservientes. Consequência da inculcação de mitos embasados, de modo essencial, nas capacidades físicas e intelectuais, estipulando o ideal de domesticidade, em que as mulheres são subalternizadas e têm seus direitos fundamentais violados, notadamente em decorrência das relações de poder estabelecidas.

Tendo como suporte teórico estas breves considerações, metodologicamente, pretende-se examinar como a família patriarcal ainda se baseia em fundamentos biológicos, culturais e sociais para que a mulher continue, substancialmente, atrelada à esfera privada, a partir de estudos de autores como Arendt, Bourdieu, Lipovetsky, Perrot e Vieira, traduzindo-se na não apropriação do espaço público pelo feminino. Entende-se que, embora existam avanços significativos nesta que é uma temática fundamental, as mulheres não conquistaram, definitivamente, o ambiente público. Haja vista que, em uma conjuntura na qual ainda está vigente o patriarcado, é de se questionar se as lutas engendradas pelas mulheres constituíram um efetivo processo de participação feminina no espaço público.

2. Algumas Concepções Teóricas sobre o Espaço Público

Não raras se constituíram as vezes em que as mulheres foram excluídas do espaço público, à medida que a ampla noção conceitual deste aplica-se às mais diversas dimensões da vida social, como a política, a cultural, a econômica, a científica e assim sucessivamente. O feminino era, então, restrito à esfera doméstica e privada, lugar em que características como a passividade, a docilidade, a alienação e a submissão eram ressaltadas.

Sob este prisma, Dias afirma que ao homem sempre coube o espaço público e a mulher foi confinada aos limites da família e do lar, o que ensejou a formação de dois mundos: um de dominação, externo e produtor; o outro de submissão, interno e reprodutor. Ambos os universos, ativo e passivo, criam polos de dominação e submissão5.

Deste modo, constantemente evidenciou-se o masculino em detrimento do feminino.

Entretanto, com a emergência dos movimentos sociais, momento em que se começou a questionar sobre as complexas questões socioculturais e políticas, bem como a se repensar acerca das estruturas hegemonicamente construídas, as mulheres foram ganhando espaço, vez e voz públicas. Isto ocorreu com uma intensa luta de reivindica-5 Dias, Maria Berenice, A Lei Maria da Penha na Justiça, a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 17.

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ção por direitos iguais, sendo que o feminismo contribuiu, sobremaneira, para que os padrões masculinos fossem sendo, diuturnamente, revisados.

Nesse aspecto, o termo espaço público comporta diversos modelos que foram sendo engendrados de acordo com o contexto histórico. Mas há três correntes principais do pensamento ocidental: o modelo agonístico desenvolvido por Hannah Arendt, o modelo liberal de matriz kantiana e o modelo discursivo proposto por Jürgen Habermas. É importante referir, por oportuno, que tais tradições servem de base para que se analise as diferentes matizes do citado espaço público. Em Arendt a ação deve vir sempre acompanhada do discurso, senão acaba perdendo sua capacidade reveladora, portanto, ela só tem um início efetivo por meio das palavras. Esta ação discursiva que dá visibilidade ao homem só é possível em um ambiente próprio para o desempenho desta atividade que leva em conta a pluralidade humana: o espaço público6.

Conforme evidencia Vieira, Arendt vê no processo de oclusão do político pelo social uma transformação do espaço público: indivíduos não mais agem, apenas se comportam, como produtores, consumidores e moradores urbanos. Ela faz apologia ao espaço político agonístico da pólis grega, negligenciando a exclusão de numerosos grupos de seres humanos (mulheres, escravos, estrangeiros)7. Assim, põe-se a questão de saber se a crítica da ascensão do social, acompanhada da emancipação desses grupos e de sua entrada na vida pública, pressuporia crítica ao próprio universalismo.

Do pensamento arendtiano pode-se verificar que a ação, para sua plena manifestação, só é possível na esfera pública e jamais no isolamento. Estar isolado é estar privado da capacidade de agir. Isto porque o isolamento é algo marcante na sociedade de massa ou, ainda, foi a pré-condição para que o totalitarismo ascendesse ao poder, pois os homens isolados são incapazes de agir em conjunto, tornando propícia a manipulação ideológica8.

O espaço público, para Arendt, significa que, em primeiro plano, tudo que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível, ou seja, “a presença de outros que veem e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”9. É, portanto, segundo a autora, o lugar onde o homem se...

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