Apego ao futuro: escala temporal e sustentabilidade em Psicologia Ambiental

AutorJosé Q. Pinheiro
Páginas35-54
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II
Apego ao futuro: escala temporal e sustentabilidade
em Psicologia Ambiental
José Q. Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil1
We have not inherited the Earth from our fathers,
we are borrowing it from our children
Introdução
Pretendo discutir aqui a importância de uma perspectiva temporal para investi-
gações em Psicologia Ambiental. Não apenas de uma perspectiva temporal que
olhe o presente com base no passado, mas que se estenda também para o futuro.
A dimensão temporal é parte importante da dissociação que nossa civilização
estabeleceu com a natureza. Um problema de difícil solução, pois já aprendemos
que não é possível o retorno à época do “homem-na-natureza”, quando éramos parte
da natureza, embora não tivéssemos consciência disso. Na medida em que desen-
volvemos consciência da natureza, também nos dissociamos dela, tornando-nos
prisioneiros de uma visão antropocêntrica de mundo, algo que é irreconciliável com
uma visão ecológica de futuro.
1E-mail: pinheiro@cchla.ufrn.br. Correspondência: Caixa Postal 1507 / Natal, RN / 59078-970 /
Brasil.
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CONDUCTAS PROTECTORAS DEL AMBIENTE
Nesse sentido, a citação reproduzida acima é uma excelente síntese das idéias
desenvolvidas aqui. Não por acaso, ela foi também utilizada por Lester Brown, em
sua discussão sobre as bases necessárias a uma sociedade sustentável (1981). “Não
herdamos a Terra de nossos antepassados”, com o verbo da frase no tempo passado,
que terminou. “Estamos tomando-a emprestada de nossos descendentes”, em uma
ação que está permanentemente acontecendo.
Já se disse que não percebemos o tempo, apenas as conseqüências de sua exis-
tência. Talvez por isso esse tema seja tão difícil de ser sistematizado, mas não por
isso menos importante. Para tornar mais fácil a apreensão da presença do tempo em
nossas experiências com o entorno, vale mencionar que ele se mostra através de
“sub-produtos”, como ritmo, seqüência e duração, responsáveis –talvez mais palpá-
veis, porque menos abstratas– pela modulação cognitiva e afetiva de nossos contatos
interpessoais e ambientais (LaFrande e Mayo, 1978).
A evolução histórica e técnica de nossas sociedades mostra a relevância que o
tempo tem tido na conformação física e cultural do mundo que habitamos. Todos co-
nhecemos, por exemplo, a dif‌i culdade que esteve envolvida na chegada dos europeus
à América. Baseado no conhecimento de povos navegadores que o antecederam, Co-
lombo conseguiu atingir o continente americano, mas não sem dif‌i culdades, pois
a navegação oceânica intercontinental não existia na época. Até então, as viagens
marítimas se baseavam em cartas portulanas, mapas detalhados dos percursos marí-
timos, organizados em referência a promontórios, enseadas, rios e outros acidentes
geográf‌i cos da costa. Vasco da Gama e outros portugueses que viajaram ao largo do
continente africano não tinham uma avaliação precisa de “quanto” estavam se afas-
tando da costa africana para Oeste. O conhecimento disponível naquela época só lhes
permitia avaliar o deslocamento para o Sul (ou para o Norte), baseado na posição dos
astros no céu - ou seja, eles tinham o domínio da noção de latitude terrestre. Para
dominar a noção de longitude (deslocamentos no eixo Leste-Oeste), faltava-lhes um
meio adequado para medir o tempo decorrido desde a saída do porto.
Até então, os relógios de pêndulo não podiam cumprir essa função a bordo, porque
o balanço provocado pelas ondas prejudicava seu funcionamento. Sem saber o tempo
exato decorrido desde uma última posição conhecida, e sem terra por perto, os marinhei-
ros não podiam precisar sua correta localização sobre um planeta que não pára de girar
sobre seu próprio eixo, de Leste para Oeste. Conhecer o desenrolar do tempo era funda-
mental para saberem onde estavam! Nessa época, a velocidade de deslocamento de uma
embarcação no mar era medida de maneiras muito “primitivas”, como, por exemplo,
pelo recitar de rimas. “A velocidade do navio era estimada jogando-se um objeto na
água na altura da proa. Caminhando ao lado dele enquanto se entoava uma rima, sabia-
se quanto tempo o barco levava para ultrapassar o objeto” (Boscov, 1999: 73).

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