Afeto x culpa na separação judicial e no divórcio: O diploma civilista de 2002 e os conflitos judiciais na contramão dos novos vértices sociais da doutrina familista brasileira e dos princípios constitucionais

AutorMaria Isabel Jesus Costa Canellas; Murillo Canellas
CargoAdvogada e Professora na Faculdade de Direito de Bauru/ITE; Advogado em Bauru. Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru/ITE
Páginas2-26

Advogada e Professora na Faculdade de Direito de Bauru/ITE. Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino e em Letras pela USC/Bauru. Supervisora Editorial da RIPE - Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos (Divisão Jurídica) da ITE/Bauru. Presidente do núcleo regional do IBDFAM (Bauru/SP). Pesquisadora-membro do Núcleo de Pesquisa Docente da Faculdade de Direito de Bauru/ITE. Advogado em Bauru. Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru/ITE. Coordenador do Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos, órgão vinculado à referida Instituição de Ensino Superior, em favor do aperfeiçoamento profissional dos alunos e auxiliar a população mais carente, desprovida de assistência judicial. Bacharelando em Filosofia pela USC/Bauru. Pesquisador -membro do Núcleo de Pesquisa Docente da Faculdade de Direito de Bauru/ITE.

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"A processualística e o direito familista brasileiros devem deixar de uma vez por todas de ocupar o Judiciário para desenvolver longas demandas, com intensa carga de litígio e de ressentimentos, conferindo ao juiz o equivocado direito subjetivo de graduar a dignidade humana de quem não quer continuar casado. Numa época em que até a infidelidade virtual começa a tomar espaço da doutrina brasileira, como uma nova especialização do Direito de Família na pesquisa culposa da separação, precisamos nos dar conta de que a falência conjugal é sempre obra de dois, e que notas mais tristes, violações graves ou condutas injuriosas praticadas dentro de uma relação nupcial, em que foi prometida eterna fidelidade, essa modelagem conjugal já não mais existe, pois como disse sobre o amor VINÍCIUS DE MORAES, o poeta da paixão: 'que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure'".

(ROLF MADALENO, A infidelidade e o mito causal da separação. In: Revista Brasileira de Direito de Família - SÍNTESE, IBDFAM, v. 11, 2001, p. 159)

Processo n. xxxx/yy

Ação de Separação Judicial

Comarca de Bauru-SP

Vistos.

B.C.Z., qualificada nos autos, ajuizou ação de separação judicial contenciosa em face de D.E.Z., também qualificado nos autos, alegando, em resumo, que são casados desde (...) de 1970, com opção pelo regime da comunhão universal de bens, tendo nascido desse matrimônio os filhos F.Z., G.Z., H.Z. e I.Z., todos maiores e capazes. Narra que o réu descumpriu os deveres inerentes ao casamento, pois há aproximadamente dois anos passou a tratá-la com frieza e indiferença, deixando de satisfazer o debitum conjugale (sic), além de possuir gênio irritadiço, tanto que várias vezes agrediu moralmente a autora, fatos que tornaram insuportável a vida em comum. Formulou pedido de separação judicial por culpa do réu, mantendo a autora o nome de casada, com a conseqùente partilha dos bens que compõem o patrimônio do casal que, diante do regime adotado, são todos comunicáveis. Page 3

Citado, não foi possível a reconciliação das partes ou a transformação da separação litigiosa em consensual na audiência inicial, razão pela qual o réu ofereceu contestação na qual alegou, em síntese, que não são verdadeiros os fatos articulados na petição inicial, pois foi a autora que de janeiro do ano em curso para cá deixou de manter relações sexuais com seu marido, tanto que passou a dormir em outro quarto. Sustentou que jamais agrediu física ou moralmente a autora, tanto que não foi particularizada nenhuma ofensa na petição inicial, e também nunca a atemorizou ou praticou qualquer ato que pudesse ser caracterizado como conduta desonrosa ou grave violação dos deveres do casamento. Requereu a improcedência do pedido.

Houve réplica e o Ministério Público, que interveio em todos os atos do processo, opinou pela procedência do pedido.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Trata-se de separação judicial litigiosa movida pela mulher em face do marido, que comporta o julgamento antecipado da lide, atentando-se ao parecer do Ministério Público nesse sentido, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, sem a mínima necessidade de produção de provas orais ou técnicas, como adiante será melhor analisado.

Das próprias alegações das partes vê-se que a convivência do casal se tornou insuportável, até porque, ainda que não fossem provados os fatos e afirmações articuladas na petição inicial (o que poderia conduzir, em tese, à improcedência dos pedidos), nem por isso seria possível manter-se a sociedade conjugal contra a vontade de um dos cônjuges, o que leva, portanto, à evidente necessidade de se decretar a separação judicial do casal.

Inútil, assim, diante de uma perspectiva realista do processo, protelar-se a separação judicial das partes para averiguar qual delas é culpada pela ruptura do matrimônio.

As conseqùências da culpa, na hipótese dos autos, não se afiguram relevantes. É que a prova da culpa na ação de separação judicial litigiosa, como se sabe, tem como efeitos a perda do nome pela mulher, se ela for vencida na demanda (LD, art. 17), a obrigação de o cônjuge culpado prestar alimentos ao inocente (LD, art. 19) e a atribuição da guarda dos filhos menores, se a demanda for instaurada com fundamento no artigo 5º, caput, da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, ao cônjuge que não houver dado causa à ruptura da sociedade conjugal (LD, art. 10).

São três e somente três, portanto, as conseqùências dos autos, vê-se que os quatro filhos do casal são maiores e capazes, logo nenhuma guarda deverá ser apreciada e deferida a Page 4 quem quer que seja, até porque nenhum pedido nesse sentido foi formulado. A autora pretende manter o nome de casada e o réu não se opôs especificamente a tal pedido, lembrando que tal ponto poderá ser reapreciado oportunamente por ocasião de eventual conversão da separação judicial em divórcio (Lei n. 6.515/77, art. 25, parágrafo único). No tocante aos alimentos, a autora não os postulou na petição inicial e como não existem filhos menores ou incapazes também não há verba alimentar a ser arbitrada à prole.

Conclui-se, pois, que a elucidação da origem da impossibilidade de continuação da vida em comum ou a prova da culpa de um dos cônjuges nada acrescentaria ao julgamento da causa, mormente porque é incontroverso nos autos que as partes não mais têm condições de continuar casadas, tanto que já não mais coabitam, como admite a própria contestação, daí porque - até por prudência e a fim de evitar acirramento dos ânimos e desgastes emocionais desnecessários - a separação judicial deve ser decretada, sem o reconhecimento de culpa de quem quer que seja, isentando-se ambas as partes dos ônus de sucumbência.

Assim sendo, como bem ponderou o Ministério Público, "se existe razão a esta ou àquela parte sobre as causas do rompimento da sociedade conjugal, nenhuma conseqùência, a não ser a decretação da separação judicial e a partilha de bens, trará ao caso em análise" (fl. 78).

E como não houve consenso entre as partes no tocante aos bens, mas considerando que o regime adotado pelo casal é o da comunhão universal, instituído antes da vigência da Lei n. 6.515/77, o patrimônio das partes deverá ser partilhado após o trânsito em julgado desta, em partes iguais, ou seja, na proporção de cinqùenta por cento para cada uma, por meio de regular fase instaurada, em apenso, para esse fim.

Posto isto, com fundamento no artigo 5º, caput, da Lei n. 6.515/77, e amparo na motivação supra, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para:

a) decretar a separação judicial dos litigantes, sem culpa das partes, declarando cessados os deveres de coabitação, fidelidade recíprocas e o regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido (LD, art. 3º);

b) o patrimônio do casal será partilhado, no momento oportuno, na proporção de 50% (cinqùenta por cento) para cada litigante;

c) a ré manterá o nome de casada, ressalvando-se a reapreciação do tema por ocasião de eventual conversão da separação litigiosa em divórcio (LD, art. 25, parágrafo único); [sic]

d) ficam isentas as partes do pagamento recíproco de honorários advocatícios, rateando-se entre elas as custas processuais remanescentes, que deverão ser calculadas pelo valor atribuído à causa na petição inicial; Page 5

e) as medidas liminares concedidas nas ações cautelares de separação de corpos e de arrolamento de bens, em apenso, feitos www/yy e zzz/yy, ficam mantidas, tendo sido tais demandas julgadas por sentenças proferidas nos respectivos autos.

Transitada em julgado a presente, expeça-se mandado de averbação ao correspondente

Serviço Registral das Pessoas Naturais.

P. R. I. C.

Bauru, 00/00000/2001

ARTHUR DE PAULA GONÇALVES - Juiz de Direito

APELAÇÃO CÍVEL N. 255.873-4/3-00

Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo

Ementa

Ação de separação judicial - Propositura com fundamento no disposto no artigo 5.º, "caput", da Lei 6.515/77 - Contestação do réu - Falta de oitiva das partes pessoal e separadamente e julgamento antecipado da lide - Ofensa ao disposto nos artigos 3.º, parágrafo 2.º, da Lei 6.515, e ao disposto no artigo 330 do CPC e 5.º, n. LV, da Constituição Federal - Anulação do...

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